sábado, 7 de dezembro de 2013

Meninos Pobres da Vila Maria Alta


Vela acessa em cima da cômoda... Poderia ser em oração, uma benção, uma luz de respeito e fé...

Mas o sentido primordial da vela era mesmo o de Iluminar o barraco. E nesse sentido  material  de entremeio entre claridade e a escuridão, a vela era apenas como a  vida:  era penumbra . E causava o mesmo incômodo da cama que não deixava dormir...  meia adaptação de peças antigas e um resto de colchão que, aos poucos,  também se deformava  como  cera sob  o travesseiro  para se ter o falso efeito de que nos  províamos  de algum conforto  com coisas  que, de fato, não nos traziam nenhum ... Nem  luz, nem  maciez, nem  esperança, nem sonho leve.

Deitava-me a observar o tremular das sombras que a própria chama projetava  e,  como se fosse  cinema, eu imaginava cenas...

Não fosse isso tudo a interferir com a noite, o barulho distante  de famílias felizes  também não me  deixaria dormir, tanto quanto o ranger do estrado.

Barulho das mesas fartas, pensava. Barulho de tantas  pessoas em outras casas tentando disfarçar que, na verdade,  o Natal é triste.

Sabem  dessa tristeza aqueles que andam pela madrugada, observando o movimento das cenas de vida...Sabem que todo ruído esconde um  terror .
Se reparar bem notará que a noite é triste. Que a madrugada é triste. Que a música de Natal é triste. Apesar de a  letra da música falar de boas coisas, a entonação que se dá ao canto  tende ao  triste e, no seu íntimo, as pessoas são tristes.  São penumbras.

Alegrias verdadeiras somente brilham  nas  crianças, quando os olhos se acendem  por  reflexo de vida ou por vidas outras criadas por elas. Crianças facilmente imaginam e se encantam porque ainda crêem  na  “Noite Feliz”, como se a partir dela, a chama  de uma vela se multiplicasse em candelabros, e de um brinquedo se construísse melhores destinos.

Um carrinho feito com uma lata velha de sardinha, tampinhas de cerveja e arame... Pronto, eu já tinha um carro!  Uma boneca de espiga de milho, outra feita de retalhos coloridos e ,tendo com quem falar de amizade, carinho e companheirismo,minha irmã poderia junto a essas bonecas,  dormir  no colchão de palha e travesseiro de paina. Poderia dormir abraçando a boneca, como se abraçasse a mãe.  Um cavalinho feito de madeira  que o avô montou especialmente para aquele dia e eu já galopava com meu pai por campos sem fim. “Cavalinho de pau, amigo de tantas aventuras e alegrias.” Só quando somos crianças conseguimos despertar certas magias...

Natal deve ser o nascimento de mais esperança, família junto e paz. Velas de amor acesas no coração. Mãos dadas entre irmãos, palavras brandas, uma ceia para se dizer  “ Graças! “

 Mas nem todos os barracos são assim. Enquanto sigo  andando pelas ruas, vejo na penumbra que  não existem mesas postas em ofertório comum.  Ouço o som de  vozes em celebração de união, mas  o coral de velhinhos no shopping Center ou do Metrô  não encanta mais.

As luzes coloridas de tantas as árvores a decorar as ruas da cidade não brilham mais que uma pequena vela acessa em um barraco. Mas mesmo assim é Natal . Porque  uma criança nasceu, e chorou igual a todas as outras, e quando a luz se apagou, ele brilhou mais que o sol e as estrelas, e sem penumbras,  disse nitidamente a única palavra que ainda nos  falta dizer: Amai-vos uns aos outros.
*

De Magela e Carmem Teresa Elias 

Nenhum comentário:

Postar um comentário